MOÇAMBIQUE
Vídeo mostra como um blogger foi baleado nas costas enquanto fazia um direto no Facebook sobre a forma como as forças de segurança respondiam aos protestos na Ressano Garcia. Jovem acabou por morrer
Mano Shottas fazia um direto no Facebook, a filmar a ação da polícia contra manifestantes na principal fronteira de Moçambique com a África do Sul, quando foi baleado nas costas. O jovem blogger criticava as forças de segurança que lançavam gás lacrimogéneo contra casas com crianças quando de repente se ouvem tiros, ele diz que foi alvejado, as imagens desaparecem, pede socorro enquanto o ecrã está negro, depois surge o rosto de Shottas em dor a dizer que foi atingido, que os disparos continuam, e novamente o ecrã negro com uma voz débil a dizer que está a morrer.
Algumas pessoas, como a ativista moçambicana Cídia Chissungo, conseguiram gravar o direto e partilharam-no nas redes sociais, como a X, guardando as últimas palavras que se ouvem do blogger.
“Há ali crianças. Eles estão a atirar gás lacrimogéneo. Eu não sei em que país estamos a viver. Não posso continuar a gravar… recebi um tiro… pessoal me fui balearam. Socorro, socorro…”. Chega o som de tiros, vozes a aproximarem-se, ouve-se Shottas: “Socorro, balearam aqui atrás, não me consigo virar. Pessoal levei tiro, levei tiro e eles continuam a disparar, eles continuam a disparar” repete o blogger numa voz cada vez mais fraca. “Fui alvejado”, continua. Noutros vídeos divulgados ainda se ouve, já com o ecrã preto, o blogger a dizer: “Estou a morrer…”
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Direito Humanos, que já está a apoiar juridicamente a família do blogger, confirmou ao Observador que o blogger acabou mesmo por morrer. “Foram os militares da Unidade de Intervenção Rápida que dispararam para proteger os camiões da empresa de transportes do ministro das Obras Públicas, Carlos Mesquita”, acusou o advogado e professor.
Depois de Shottas ter sido baleado, as pessoas que estavam no local “revoltaram-se ainda mais”, confirmou ao Observador Adriano Nuvunga, incendiando algumas infraestruturas.
“É mais um ato bárbaro e a polícia deve responder por ele. Estamos a organizar uma ação contra o Estado nesse sentido. É mais uma prova que é ação violenta da polícia que gera revolta nas pessoas”, disse André Mulungo, editor do boletim do Centro para Democracia e Direitos Humanos à agência Lusa.
A fronteira de Ressano Garcia tem estado bloqueada nos últimos dias pelos manifestantes que contestam os resultados eleitorais de 9 de outubro, impedindo a entrada em Moçambique dos camiões vindos da África do Sul.
Ainda esta quinta-feira, o ministro dos Transportes e Comunicação, Mateus Magala, disse que “algumas ações estão em curso para proteger os corredores”. O governo está a trabalhar com o homólogo sul-africano para “tentar criar cinturões de proteção ao longo do corredor do Maputo, desde a fronteira de Ressano Garcia até ao porto de Maputo, para assegurar que a mercadoria continue a fluir da África do Sul para mercados internacionais e para outros países”.
Há mais de 50 dias que Moçambique é abalado por manifestações e violentos confrontos com a polícia que já causaram mais de 110 mortes. Os protestos têm sido convocados por Venâncio Mondlane, o candidato independente que diz que ganhou as eleições enquanto a Comissão Nacional de Eleições dá a vitória a Daniel Chapo apoiado pela Frelimo, partido no poder há 49 anos.
Na quarta-feira terminou a quarta fase, a “4×4”, dos protestos que foram uma vez mais marcados por muita violência de parte a parte. A polícia reprime brutalmente os manifestantes que por sua vez incendeiam esquadras, sedes da Frelimo, e infraestruturas. No domingo, depois de Venâncio Mondlane, que fugiu do país por razões de segurança, anunciar no Facebook que tinha sido vítima de nova tentativa de assassinato, os seus apoiantes reagiram encerrando a Ressano Garcia.
Segundo o Comando geral da Polícia da República de Moçambique, morreram nos últimos sete dias 16 pessoas, entre as quais quatro membros da polícia, tendo 73 ficado feridos.
Fonte : Observador
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